Campanhas Eleitorais: Legitimidade, Equidade e Limites na Democracia Brasileira

Julia Konofal
Julia Konofal
4 minutos de leitura

Manter a sanidade durante um processo eleitoral pode ser tão desafiador quanto resistir a um pote inteiro de Nutella. Assim como na vida cotidiana, nas eleições também existem tentações: o dinheiro fácil, o apoio duvidoso, o atalho que promete sucesso rápido. No entanto, ceder a essas tentações compromete um valor essencial da democracia — a legitimidade.

O tema desta aula gira em torno das campanhas eleitorais e dos cuidados necessários para que elas sejam limpas, transparentes e acessíveis a todos. Mesmo que pareça um emaranhado de normas e proibições, o Direito Eleitoral não busca complicar: ele protege o voto e a igualdade de condições entre os candidatos.

O processo eleitoral como instrumento democrático

A eleição é o principal instrumento de legitimação do poder no Brasil. Não existe cargo público que possa ser ocupado legitimamente sem o crivo das urnas ou sem previsão constitucional de sucessão. É por isso que o processo eleitoral é considerado um procedimento instrumental — ele é o meio pelo qual o poder político é conferido de forma legítima a quem foi escolhido pela população.

Todas as regras — do calendário à propaganda, dos limites de gasto à prestação de contas — existem para que o jogo seja justo e auditável. Se uma pessoa chega ao poder sem passar por esse processo, temos uma usurpação da soberania popular.

A Constituição Federal de 1988 organizou essas normas com a intenção de garantir transparência, previsibilidade e estabilidade política. Assim, votar não é apenas um ato simbólico: é uma das formas mais diretas de exercer a cidadania e participar da construção do Estado Democrático de Direito.

Quando o processo eleitoral se torna desigual

Embora a teoria seja linda, a prática pode ser cruel. Campanhas eleitorais exigem recursos: dinheiro, tempo, equipe e visibilidade. E quem tem mais estrutura, geralmente, tem mais chances. Por isso, a legislação tenta equilibrar o jogo com medidas que promovem equidade e inclusão.

Um dos principais mecanismos é o sistema de cotas eleitorais, que reserva percentuais mínimos de candidaturas e de recursos para mulheres, pessoas negras e pessoas trans. Isso não é favor: é correção histórica. A ideia é garantir que a diversidade da sociedade brasileira se reflita também nas urnas.

Além disso, o tempo de propaganda no rádio e na televisão é dividido conforme critérios proporcionais, e os gastos de campanha têm limites legais. Tudo isso visa impedir que o poder econômico distorça a vontade popular.

Condutas proibidas durante as campanhas

A lei eleitoral estabelece uma série de vedações para impedir o abuso de poder e a corrupção do processo. Entre as principais, destacam-se:

1. Recursos de origem ilícita ou estrangeira

Nenhum partido ou candidato pode receber doações de governos, empresas ou entidades estrangeiras, sindicatos ou pessoas jurídicas. O financiamento deve ser nacional e transparente, com todos os valores devidamente declarados.

Quando há irregularidades, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode aplicar sanções severas, como suspensão de repasses do fundo partidário, devolução de recursos, multas e até o cancelamento do registro do partido.

2. Abuso de poder econômico e político

Comprar votos, usar a máquina pública em benefício próprio, oferecer vantagens indevidas ou praticar o famoso “caixa dois” são exemplos de abuso de poder. Essas condutas violam o princípio da isonomia eleitoral e resultam em cassação do mandato e inelegibilidade.

3. Abuso religioso

O espaço da fé não pode ser transformado em palanque político. Líderes religiosos têm liberdade de expressão, mas não podem coagir fiéis nem transformar cerimônias em eventos de campanha. A influência espiritual não pode ser usada como ferramenta de manipulação eleitoral.

4. Proibição de organizações paramilitares

Partidos e candidatos não podem se associar a grupos armados ou incentivar o uso da violência. O Estado Democrático de Direito se baseia no diálogo e na representação, nunca na força.

O valor de trabalhar com o que se tem

Nem todo partido ou candidato tem grandes recursos. E tudo bem. Ter uma campanha mais simples não significa perder legitimidade. O importante é trabalhar com o que se tem, de forma ética e estratégica.

Campanhas eficientes nascem de mensagens claras, boa comunicação com a base e transparência na prestação de contas. Em vez de buscar atalhos ilegais, candidatos devem investir em credibilidade e conexão com o eleitorado.

O mesmo vale para o eleitor: a melhor escolha nasce da informação. O cidadão deve analisar propostas concretas, entender o histórico do candidato e questionar o uso dos recursos públicos. A vida pessoal, as fofocas e os escândalos podem render manchetes, mas não garantem boa gestão pública.

O que realmente importa é a capacidade do candidato de administrar pessoas, recursos e políticas públicas com base nos princípios constitucionais e nas necessidades da população.

O processo eleitoral e a legitimidade do poder

Em uma democracia participativa, o poder político deve refletir a vontade do povo. Isso significa que ninguém pode ocupar um cargo público de forma arbitrária ou sem respaldo eleitoral.

A Constituição prevê inclusive as hipóteses de sucessão: se o presidente e o vice não puderem exercer suas funções, o cargo é assumido temporariamente pelo presidente da Câmara dos Deputados, e assim por diante. Esse sistema garante continuidade institucional e evita rupturas democráticas.

Mas há um detalhe importante: legitimidade não é apenas formal, é também moral e política. Um processo eleitoral justo depende de respeito às regras, lisura nas campanhas e igualdade de oportunidades. Quando há abuso econômico, manipulação religiosa ou discriminação, o poder deixa de ser legítimo, mesmo que pareça legal no papel.

A diversidade como motor da democracia

Uma eleição saudável precisa de pluralidade. Se todos os eleitos tiverem o mesmo perfil — social, econômico ou ideológico —, a democracia se empobrece. Por isso, é fundamental ampliar a representatividade de grupos historicamente excluídos.

Pessoas que viveram desigualdades, que conhecem de perto os desafios sociais, trazem novas perspectivas e pautas urgentes. Uma mulher que enfrentou a violência doméstica, por exemplo, tende a compreender melhor a importância de políticas públicas de proteção.

Dessa forma, o pluralismo político não é apenas um direito — é um instrumento de transformação social. Ele garante que as leis e programas criados reflitam o interesse coletivo, e não apenas o de uma minoria privilegiada.

Conclusão

O processo eleitoral é a espinha dorsal da democracia brasileira. Ele garante que o poder seja conquistado de forma legítima, transparente e representativa. No entanto, sua integridade depende da responsabilidade de todos — partidos, candidatos e eleitores.

Cabe ao Estado criar mecanismos que evitem abusos e garantam a equidade, mas cabe também ao cidadão exercer o voto de forma consciente, cobrando coerência, honestidade e compromisso público.

Campanhas eleitorais não são apenas disputas de cargos, mas momentos de reflexão sobre o tipo de país que queremos construir. Quanto mais ético, diverso e transparente for o processo, mais sólida será a democracia que dele resulta.


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