As cotas partidárias de gênero continuam gerando debates intensos no Direito Eleitoral, porém elas só fazem sentido quando observamos a estrutura real da política brasileira. Embora muitos digam que “mulheres não se interessam pela política”, a verdade é bem diferente. Ao longo da história, elas foram afastadas, invisibilizadas e impedidas de participar. Assim, compreender o papel das cotas é fundamental para quem estuda o sistema eleitoral ou deseja enxergar a democracia de forma mais completa.
Por que ainda discutimos cotas?
Para começar, é importante lembrar que cotas não se baseiam em preferências pessoais. Elas surgem como políticas públicas destinadas a corrigir desigualdades estruturais. Durante décadas, as mulheres sequer tiveram espaço físico nas casas legislativas. Até aproximadamente 2012, por exemplo, não havia banheiro feminino no Senado. Portanto, não faltava interesse feminino; faltava ambiente institucional.
Além disso, quando observamos a composição do Congresso, percebemos que a representatividade feminina sempre ficou muito aquém do ideal, mesmo com mulheres representando a maior parte da população. Por isso, as cotas aparecem como um mecanismo de correção. Elas garantem condições mínimas para que a disputa eleitoral comece de maneira mais equilibrada.
Representatividade: um pilar da democracia
A democracia depende de diversidade. Sem diferentes vivências, olhares e propostas, o sistema legislativo perde qualidade. Assim, quando apenas um grupo domina o espaço político, as decisões passam a refletir apenas a realidade desse grupo. Com isso, as demais necessidades sociais ficam invisíveis.
As cotas, portanto, têm dois efeitos essenciais:
- Elas quebram barreiras históricas, permitindo que novos perfis ingressem na política.
- Elas obrigam os partidos a se abrirem, já que o filtro de entrada costuma excluir, consistentemente, mulheres e outras minorias.
Ao criar esse espaço, o sistema político ganha novas perspectivas e amplia a qualidade do debate público.
Como funcionam as cotas partidárias de gênero?
As cotas começaram com a Lei nº 9.504/1997, que estabeleceu:
- Pelo menos 30% das candidaturas devem ser de mulheres.
Esse percentual vale para qualquer partido que registre candidaturas. Entretanto, apenas garantir a candidatura não resolvia o problema. Portanto, em 2018, o STF decidiu que:
- Ao menos 30% do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário deve financiar campanhas de mulheres.
Com essa decisão, finalmente os recursos começaram a alcançar as candidaturas femininas. Antes disso, muitas mulheres eram colocadas na chapa apenas para “cumprir número”.
O problema das candidaturas laranja
Apesar dos avanços, alguns partidos continuam usando mulheres apenas como fachada. Embora seja ilegal, muitos dirigentes lançam candidaturas femininas sem oferecer estrutura, apoio ou verba. Assim, a mulher vira candidata “laranja”, enquanto o dinheiro é transferido para outras campanhas masculinas.
Essa prática dificulta o avanço das mulheres, mas o mecanismo das cotas — combinado com fiscalização crescente — reduz tais distorções ao longo do tempo. Além disso, cada nova eleição fortalece a cultura de participação feminina.
Por que há resistência dentro dos partidos?
Partidos tendem a privilegiar nomes tradicionais e pessoas com capital político consolidado. Dessa forma, incluir mulheres significa:
- redistribuir recursos,
- reorganizar hierarquias,
- abrir mão de “cadeiras garantidas”,
- reconhecer que a estrutura precisa mudar.
Como os partidos funcionam como grupos fechados, novas candidatas enfrentam dificuldades para acessar apoio interno. As cotas, então, funcionam como uma porta aberta que, sem imposição legal, dificilmente existiria.
Cotas não garantem vitória; garantem oportunidade
Vale reforçar que nenhuma cota elege alguém. A vitória depende de campanha, estratégia, engajamento, perfil do eleitorado e conjuntura política. O que as cotas garantem é somente a chance de competir com condições mínimas. Ou seja, oferecem justiça no ponto de partida.
Assim, se a candidata fizer uma campanha sólida, poderá conquistar votos e consolidar espaço político. Mas, sem cotas, muitas mulheres sequer teriam o direito de tentar.
Por que as cotas são fundamentais para o futuro da democracia?
Elas são fundamentais porque:
- ampliam a diversidade de ideias,
- fortalecem o sistema representativo,
- enfrentam desigualdades enraizadas,
- estimulam renovação política,
- ampliam o debate sobre políticas públicas.
Quando a política inclui pessoas diferentes, ela se torna mais inteligente, mais sensível e mais conectada com a realidade da população. Assim, as cotas não criam privilégios; elas corrigem falhas históricas.

